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sábado, 23 de julho de 2005

Um Lugar Chamado Bananeiras


Houve uma enchente em Bananeiras na década de 1960 que entrou para a história. Dizem que foi tanta água que o brejo virou mar.
Contam que o rio inundou tudo,levou animais,árvores e até a cama de Seu Lulu com ele ainda deitado nela,gritando desesperado.
Bananeiras é uma dessas cidades que parecem ter saído dos contos de Jorge Amado.Situada num vale úmido no brejo paraibano,rodeada por serras cobertas de bananeiras,é claro,é um lugar pequeno mas nada modesto: suas paisagens são encantadoras como a igreja matriz que domina o cenário do topo de uma colina ladeada por casarões antigos.Mas,o mais fascinantes são seus personagens.
Lembro-me de Nita,vizinha de minha vó Zefinha,que fazia bruxas de pano...e não é que Nita era a própria encarnação da bruxa ? - Óculos fundo-de-garrafa,verruga no nariz,cachimbo e cabelos desgrenhados.As vezes eu tinha medo de Nita.
Doutor Mozart Bezerra era o coronel.Faleceu há alguns dias.Acho que ele tinha uns 314 anos,pois quando eu nasci ele já era velhinho.
Na rua dos Cornos vivia Vera Lúcia,uma negona tamanho "extra-large".Na rua da cadeia vivia Rosemary,uma loirinha de voz rouca que foi considerada a menina mais bonita.
Minha paixão foi por Kilma,a filha mais nova do prefeito.Nas férias eu ía a Bananeiras e Kilma nunca sequer notou minha existência.Deve ter-se casado,engordado e se enchido de filhos.
A noite, a turma se encontrava na calçada de Tia Carmem e lá vinham de férias também as gêmeas Márcia e Mércia.Ficávamos noites perdidas curtindo o frio,a amizade e as estórias de assombração da casa dos Periaçu.
Enquanto isso,personagens mais corriqueiros passavam por nós como as beatas fofoqueiras,o bêbado Beéca e a professorinha Martinha de Seu Quin-Quin.
De repente,a notícia da morte de Marcelino,um cara da turma da praça.A vida tinha mesmo essas crueldades. Marcelino era filho de Seu José Epitácio,dono de uma casa que tinha em seu jardim uma pedra colossal que,diziam,era o tampão de um braço-de-mar...se a pedra fosse removida a água inundaria Bananeiras.
Na esquina da casa da minha avó,do outro lado do canal,tinha a venda de Seu Melquíades e mais adiante a de Dona D´Alva.Na rua principal estava (e ainda está)a venda de Seu Damião,mas acabou-se a padaria de Seu Manoel Galego. Também cercaram o sítio de Seu João Monteiro e ninguém pode mais brincar debaixo das mangueiras como nós fazíamos.Nem no Colégio Agrícola ninguém vai mais brincar.Por isso,agradeço os dias de liberdade que tive nas férias naquele lugar.
Sinto falta dos torneios intermunicipais de vôlei quando Bananeiras enfrentava outras cidades do brejo...e das comemorações pelo centenário da emancipação municipal.Nunca mais eu vi festa igual,todos os moradores participaram de alguma forma.
O tempo passou,a vida passou como uma enchente,mudando a cidade onde nasci.A vida passa tão cheia por nós que nos arrasta como enxurada.Nem dá tempo de olhar ao redor e lembrar de Irmã Leite,a boa freira.
Hoje eu não fui arrastado pela vida,eu flutuei em suas águas de boas recordações,como se fosse Seu Lulu flutuando em sua cama....

4 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Sou filho e irmão de personagens dessa crônica bem interessante.Participei, vivenciei ou conheci essas muitas histórias de Bananeiras. O amigo esqueceu de citar alguns outros nomes inusitados como o velho barro fofo e o mendigo apolonho que jogava urina da janela da sua porta quando era incomodado, a velha chica do bode e o maluco Luiz da Burra que ficava horas conversando com a pedra da casa de José Epitácio. Quem não lembra dos discursos compridos de Pedro de João Afaiate,dos assustados no bananeiras clube, das matinês de carnaval. São tantas as histórias que caberia um livro, e é sempre muito bom relembrá-las.

Projeto Leitura na Escola disse...

Gostei, fiz a leitura atentamente e eu nem gosto tanto de ler.
Espero a produção de um livro sobre essa historia e varias outras sobre Bananeiras.

BIU OLIVEIRA disse...

Adorei seu texto.Vou aguardar outras matérias suas com muita ansiedade. Abraços, Raminho de Manoel Galego.